quinta-feira, agosto 16, 2007

AJUSTES


"No dia em que ocê foi embora eu fiquei
sentindo saudades do que não foi
lembrando até do que eu não vivi
pensando em nós dois..." (Lenine)


Dizem:

Quem canta os males espanta
Quem conta, relembra. Uma, duas, três vezes.

Sei.

Queria eu que as palavras tivessem força
Imagem, som e sentido
E você estivesse aqui ao dizer seu nome

Queria eu poder transmitir, em hora marcada
Pipoca, guaraná e beijo de namorada
O filme reprisado nas ondas do meu pensamento
Chamado “sua vida”
Para te espantar de uma vez.

Mas nada adianta
Eu não consigo escrever sua história,
Prosa, redação, conto, romance,
A grande tragédia, nem nestes míseros versos
E você continua ao meu lado, como um fantasma
- amigo fantasma, é importante lembrar –
Não é Felipe?

Parece cobrar alguma coisa
O pênalti bem batido
O pano de tinner, a garrafa de cola
A parte que cubra o buraco aberto na sua cabeça
A sua história. Que não seja mais uma. Que não seja em vão.

Vou tentar fazer assim:

Era uma vez um menino chamado Felipe.
Conheci-o quando tinha doze anos. Ele, não eu.
Cabelos oxigenadamente loiros, a pele escura,
Sobrevivia na ruas cheirando cola e tinner.
Era Santista, adorava praia, futebol e bola
Sua posição favorita era o gol.
Seu ídolo, estava sempre no número 1.

Era difícil falar com ele,
Tinhoso, teimoso. Esperto. Arredio.
Certa vez ficou bastante tempo sem falar com uma amiga-moça
Pois pensou que esta havia ofendido a sua mãe.
Em outro momento, o vi pentelhar uma garota
Durante mais de quinze metros
Por que ela havia lhe negado um cigarro.
Êh Felipe. Convicto. Emburrado. Ia fundo naquilo que acreditava.

Certo dia, encontrou uma arma
E não bastando viver na ponta da faca
Pelo seu curto período de vida
Resolver partilhar com o amigo uma brincadeira mais arriscada.
Ou quem sabe, uma filosofia?
Afinal, o que é essa vida se não uma Roleta Russa
Numa seqüência de Tec, Tec, Tec, Tec. POW!

Uma bala a menos no tambor
Um sinal na testa de Felipe

“Atire a primeira, atire a segunda IaIá,
Até descarregar o tambor, até apagar a luz de IoIô
Até nunca mais, já vingou”

E assim foi. Vingou. Felipe
Que saiu menino do Jabaquara, andando, para as ruas de São Paulo, centro
E volta duro, mas ainda menino, dentro de um caixão.
Não sei se foi alívio para a mãe.
Não foi nenhum alívio para mim.

Sei que foi egoísmo,
Sei que foi sentimento pequeno quando naquele dia,
Sentado na beira da escada eu ouvi palavras sangradas dizer que você havia morrido.
Sabe, preferia que ainda que estivesse na rua,
Ainda que estivesse vagando pelo vale das sombras no Anhangabaú
Preferia que estivesse vivo.
Pois haveria ainda esperança, de trazer Vida, maiúscula como a LETRA
Para quem ousou, mas quase nunca havia existido.
Para quem aos doze não mais sonhou, apesar de eu ter insistido.
Mas aqui não é conto de farsas
E apesar de
Era uma vez
Não terminamos felizes para sempre.

Saiu.
Agora vá, por favor vá Felipe
Liberte os meus pensamentos, liberte o meu sono,
Liberte as minhas vagas horas de sossego perambulando como um insone.
Que você seja eterno enquanto dure nas eternas palavras de uma frágil folha em branco
E descanse em Paz.

E por favor
Me deixe descansar também.
Fiz o que pude. Talvez não foi o suficiente
Mas ainda não chegou a minha hora.
E quando ela chegar, prometo deixar olhar nos meus olhos e me julgar
Se o que fiz em vida contribuiu para sua morte ou não.

Amém.

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