domingo, agosto 26, 2007

conto


DOCES BÁRBAROS

Para Ernesto Guevara, que na Bolívia, aos 39 pela CIA foi assassinado
e na Bolívia, 39 anos depois, teve parte de seu sonho realizado.



Homem branco superamericano faz campanha contra Índio que toma poder no país subamericano. Por de baixo dos pano. Descontrolado. Apesar de Índio chegar ao poder pelas vias democráticas, santinho na mão, chapa e eleição, invenções do homem branco democrático. Apesar de fazer tudo por cima do pano, Índio é chamado de Autoritário. Atrasado. Homem branco não entende por que Índio quer nacionalizar gás, riqueza que desconhecia antes da chegada de Colombo, Cortez. Bartolomé de Las Casas e Pizarro. Índio só tinha terra, milho. Ouro, prata e obras que não eram feitas só de barro. Índio lembra homem branco que pobreza, eleições e autoritarismo são palavras que não existiam no seu antigo vocabulário. E apesar de ser índio aprendeu, e não abre mão do seu direito democrático. Índio quer ser cidadão. Cidadania pra índio é o direito de ter o seu próprio chão. Cultura, respeito e tradição, na cidade ou no mato. Homem branco anuncia no caixote eletrônico notícias contra o Índio politizado. Índio é retrogrado, impede o desenvolvimento da civilização. O desmatamento, o aumento da produção e a morte por desnutrição de mais de uma centena de crianças em aldeias de Piauí e Dourados. Índios desnutridos. Crianças sem brilho. Extermínio calado. Índio não quer mais papo com presidente branco de país superamericano que ao contrário dos homens brancos subamericanos sempre foram mais eficientes e conseguiram que os Índios de país superamericano fossem dizimados. Homens brancos superamericanos não dão bola, tem novos problemas e estão ocupados. Hermanos. Índios miscigenados. Homens brancos subamericanos são atrasados. Tem saudade de Cortez, Pizarro. Jesuítas, Santa Igreja. Vivem no passado. Bandeirantes, Capitães do mato. Caçadores de índios e fugitivos escravos. Homens fortes, dignos, bravos, que dizimaram centenas de índios. Índio quer plantar a luta de Tupac Amaru, apesar de sangrado, esquartejado, suas partes em sacos espalhados, como semente para índio é aguardado. Índio lembra índio que, antes, todo dia era dia de índio. Mas agora eles só tem o dia dezenove de abril para lembrar os antepassados. Ou o dia vinte pra ser queimado enquanto dormia no Planalto Central, após as comemorações do dia do Índio. Fogo sagrado. Ou o dia nove de julho, para Tupã me olhar nos olhos, nas estreitas ruas sinuosas de Parati, saltar grandes pedras e aos seis me pedir um trocado. Compra sorvete? Sorvete é invenção de homem branco, que diz que os índios vestem roupa, falam português e na porta do bar dão um trago. Estão cada vez mais aculturados. Homem branco legalizado chama polícia, expulsa do comércio em Parati Tupã, seus agregados e seus ilegais artesanatos. Pra fora, one, little two, little three, little indians! Sem terra, sem mata. Sem o pequeno bote. Desarraigados. Homem branco não quer saber se índio passa fome e não tem mais força pra viver mas faz força para se matar enforcado. Em baixo de uma árvore, ajoelhado. Corda no tronco, pés no chão, suicídio com os joelhos dobrados. O desespero da vida supera o medo da morte. Homem branco não acredita na morte. Julga-se blindado. Lugar no céu, paraíso conquistado. Homem branco só quer saber de trabalhar e vender. Vender. Se julga eternizado. Índio atrapalha as vendas de homem branco. Índio atrapalha o desenvolvimento, a compra do gás e da expansão de país subamericano no mundo globalizado. Índio nem é cidadão. Que saudade de Cortez e Pizarro. Como era gostoso o meu francês. Os brancos, bandeirantes. Espanhóis e o tradicional português. As guerras justas. Jesuítas e os índios catequizados. Homem branco subamericano aguarda apoio de homem branco superamericano para acabar logo com essa brincadeira de mal grado. Índio faz parte da história, antropologia social. Só é bom no museu. Boneco de cera, empalhado. Homem branco não queria se preocupar com Índio. Não entende Índio de cocar e gravata. Civilizado. Homem branco espera logo acabar com essa brincadeira. Nem que seja na bala. Arco e flecha e tacape. Na palm ou no tapa. No mato. Diplomacia do canhão. Presente de Homem branco pra Índio. Doces bárbaros.
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