sexta-feira, abril 18, 2008

E ontem foi muito, muito lôco. Valeu, Galdino.


LITERATURA (É) POSSÍVEL

Neuroses, grades, frustrações. As grosserias. Tudo, tudo fica pra trás. O dia irradia. Inicia-se o ritual. A primeira coisa é lembrar que estamos ali, não pela imposição das leis, do judicial, da sociedade que nos obriga a SER algo que depois não vai RECONHECER. Não, estamos ali por um ato de liberdade. Um ato da vontade. Um momento na vida em que paixões podem ser divididas. Angústias, alegrias, mágoas, risadas podem ser divididas. Através da palavra. Água. Professor, posso beber água? Vai firme. O banquete está posto. A nossa santa ceia está servida. Livros expostos. Estende-se a mão, chamamos o nosso convidado. Para iniciar a partilha. Do pão. Da palavra. O pão-lavra. Nada de escritor terno-e-gravata. A imagem no quadro, paralisada. Não, ele é uma pessoa. Parecida com a gente. Viva. Alguém inicia: cê é da Paraíba? Talvez sim, talvez não. Todos somos. Sonegamos. Como só negamos raízes negras, indígenas. Raízes nordestinas que são resgatadas com maestria, num verso bem mesclado, num cordel, num côco, embolado. Num repente chapado que alguém estranha: isso é Rap. É raiz. Poesia. E abrem-se sorrisos. Lindos. Que um dia me disseram: professor, eu não gosto disso. Isso é coisa de bicha. Eu falei: licença? Posso ler um poema? Vai né. Fazê o quê. Se a gente disser que não, adianta? Não. Vou ler. E recitando Periafricania eu fiz a introdução. O convite à poesia. Compartilhar Peri, África e uma mania: gostar de literatura. Contos, romances. Palavra-rapadura. E ele começou a perguntar: putz, eu tô virando boiola? E a menina começou a falar: professor, eu tenho uma estória. E um outro me diz, aos 12 anos: professor, eu tenho um livro. E me puxa da sua mochila azul um caderno fininho, capa verde-água, pequeno, com várias bilhetinhos, “Pensamentos de um poeta”. E eu descubro que o novo está vivo. Pulsante. E não se pode acreditar nas máscaras que querem bloquear aquele instante. Máscaras impostas para suportar uma realidade, difícil, cortante. Instigante. Poética, lírica e estética. Que me faz lembrar da antiética que é dizer: eles são burros. Idiotas. Não estão preparados para Literatura, Jorge Amado, Guimarães Rosa. Não vão gostar de Eliane Brum, Akins, ou qualquer outra prosa. Eles não tem cultura. Não estão preparados para escrever, expor seus sentimentos, mandar os recados de uma vida dura, mas com muita alegria, brincadeira e ternura. E eu digo: não. Eu aprendi que não. Não se pode dizer não, não, não, eles não sabem. Não se pode dizer que eles são incapazes, não se pode dizer que somos tão frágeis a ponto de achar que perdemos. Os campos foram todos devastados, a vida é isto. Perdemos. Não. Sei que uma andorinha não faz verão, mas não se pode dizer que do inverno não crescerão. Não sobreviverão. Não posso dizer, olhando nos olhos crescentes, que eu não acredito que o mundo pode ser melhor, que eu não vou lutar por eles. Que devemos simplesmente cruzar os braços pois não há nada a ser feito por eles. Seria um crime. Dizer que o mundo é só feio e injusto. Que não vale a pena lutar, penar, sofrer, brigar por um mundo mais justo. Pois através das palavras, através da convivência, jogando água entre pedras eu vi brotar uma flor, que resgatou a minha inocência e irradiou uma primavera, e o que antes eram feras viraram rosas - com espinhos - capazes de exalar um perfume de revolta, palavras, abraços e carinhos que me dizem: não só a literatura é possível, professor. Nóis também.






outras infos., no blog do jornal da escola:
http://www.fiquedeolho-jornalmesquita.blogspot.com/

Um comentário:

LiteraturAndante disse...

Putz Rodrigo! Esse sentimento é de emocionar. Que bom que nosso sonho realmente é possivel!!!

Um abraço

Michel