sábado, maio 15, 2010

VIRADO - CONTO

Não basta? No breu dessas madruga lôca, a gente preocupado para que nosso irmão não morra vítima do estômago, da fome, da raiva? Paralelepípedo na cabeça, porrada, facada, paulada, agora vem mais essa merda de Virada? Piada. Zoação. Um mar de gente chega, invadi nosso espaço, joga areia do consumo no nosso zóio, arma o barraco. Derruba água, vinho, cachaça e cerveja. Passa por cima, chuta nossas cabeça e acha tudo um barato. Escrotismo virou diversão? Pra quem, caralho? “Ah, mas a gente não qué só comida?” Quem disse que não, porra? Enche primeiro aqui o meu prato e depois libera essa Gomorra. Cultura. Isso daí tá mais é com cara de ditadura. Como diria o Pretobrás. O Itamá. Assumpção. Imposição. Como é que pode: gastá tanto dinheiro de uma vez, num único dia? Alguém me acóde. Você não viu. O orçamento da dita cuja? Eles gastam todo o dinheiro assim, de lambuja. Na viração. Depois, ficam mendigando grana, apoio pros projeto artístico, só pra isso: agrada os bacana. Teatro, música, até a reforma da Praça, a Roosevelt. Tudo dança. Fica no abandono, uma lambança. É como, como, tipo assim: prepará a mesa cheia. Fartura e desperdício ali, a vontade, pra uma única ceia? E depois lambê, nos trezento sessenta e quatro dias a sobra do prato que ficou na pia. Piração. Essa orgia. Você devia sabê. E eu vou te contá. O que eles fazem com a gente na véspera, nas prévias desses dia. Dos evento. Chegam tudo preparado. Organizado. Pra limpá, revitalizá. Higienizá. Arrumá o espetáculo. Política de Estado. Exclusão. Primeiro vem os Cão. Os polícia. Chegam na miúda, as duas da madruga e lançam as granada de mão. Bomba de efeito moral. Boom! Explosão. Correria. Gritaria, mulher, criança, velho. Deficiente, gente doente, dormente. Acorda tudo assustadão. Os cachorro feito lôco latindo, querendo nos alerta do perigo. E na sequência encosta o caminhão. Os laranjinha chega, já vão recolhendo tudo: roupa, mochila, comida, cobertor, colchão. Até documento. Vai tudo, tudo pro lixão. E não pode falá nada não. Senão, desce o cacete. Desce, desce, bate cassetete. Zoom, zoom, apanha até quem não merece. E eles espancando. Rindo da nossa cara, com puro prazer, o maior tesão. E a gente se pergunta: pr´undié que nóis vai, meu cidadão? Mas eles não querem nem sabê, não. E ainda tem mais, hein: o carro-pipa. Chega na sequência, vem com a mangueira, jato e água fria e tcháááááááá... Esguicha, faz a limpa. Deixa escorrê pelo cano nossa fantasia. De tê uma opção. Completa o serviço, finaliza a expulsão. E aí de quem se atrevê a encará. Sei o que você pensa. Vai pra prisão. Não. Nosso negócio não se resolve assim, no porão. É na bala. Que não sai pela culatra. Tiro que só vem de um lado. Sabe quem cospe? Os homi de farda. Se ainda tivesse a chance de chumbo trocado... Mas não. Que chance que a gente tem? Política de extermínio adotada sem censura. Com aprovação. Divulgado e elogiado pela população. Ninguém liga. Ficam é feliz quando não tem mais morador de rua na sua porta. O semelhante como espelho numa imagem torta. A extensão da mão e o pedido. O remorso e sentimento de culpa no coração. É bom né não? Andá no Centrão a noite sem o medo, ameaça, preocupação? Curti us show, as moça bonita, a festa até altas matina. Mas fica a pergunta: e a gente? A gente cumé que fica? O que é que se faz com esse povo da rua? Sem emprego, sem moradia, sem saúde. Tem cura? Daqui a gente só enxerga a lua. Fosca. A fossa e a rua. Escura. Total desassossego. De não tê uma chance, uma oportunidade, um apego. Algo que nos de valor. Você precisa entendê, seu doutor. O que é a viração. Sobrevivê nessa vida lôka não é fácil, Jão. Mas agora se levanta, vai. Já passô da hora, o sol tá raiando agora. Se levanta e vai. Que já acabô a sua excursão. Experiência de campo, curtição. A cilada cultural. Tu pega seu terno, seu sapato, sua chave do carro e vai. Segue seu destino. Foi bom, não? Seu cochilo. Durmi do meu lado, senti um pouco o que é isso. O cimento. Papelão como edredon. A vida dura no chão. Um dia também quis essa vivência. Pra crescê. Entendê melhor a situação. Mas só por um dia. Como você, que não viu, de tão chapado, tropeçou, caiu, desmaiou e ficou. Aqui. Por um dia. Mas agora vai se levantá, ir pra casa, tomá um banho quente, descansá e dormi. Na sua vida vazia. Mas com cama quente, colchão, geladeira e fogão. A gente não. A gente fica. Pra próxima estação, inferno. O inverno. Tá chegando. E nas madruga sempre leva um. Leva dois, leva três. Leva cem. Sem remorso. No maior estilo. Ele chega e aplica. Seu cortante instinto. Assim que ele é. Puro assassino. Frio. (R.C.)

Um comentário:

L. Maitan disse...

Porra, Rodrigo! Uma amiga minha me indicou seu blog. É um prazer imenso encontrar alguém com uma literatura muito próxima da minha.

Muito bom esse conto! Tenho escritos parecidos. É bem na pegada Marcelino Freire, que eu absorvi.

Muito bom te conhecer. Passarei aqui mais vezes. Quero seu livro. Entre no meu blog: www.criator.wordpress.com. Vamos manter contato.

Grande abraço!