sexta-feira, março 20, 2015

NOTA DE ESCLARECIMENTO ou SOLIDARIEDADE NA REVOLTA, PARIS #02

Não era pra ser. Mas foi. O principal assunto discutido entre os escritores brasileiros convidados para o Salão do Livro de Paris de 2015 no primeiro dia foi a remuneração. Ou a ausência dela. Explico: nenhum dos autores convidados para as atividades está recebendo cachê.

Eu, proletário das letras, nem estou acostumado com a palavra "cachê". Para mim é salário. É meu trabalho, tenho dedicação diária sobre isso. Esforço físico, intelectual. Literalmente, compro as fraldas de minha filha, faço mercado, feira, pago minhas contas com parte do que recebo neste meu trabalho literário. Claro que não posso me dar o luxo de viver apenas disso. Mas espero receber algo por ele. Quem me conhece, sabe que desde sempre tenho uma máxima: todo trabalho digno merece ser remunerado. É justo. E aqui, apesar de estar em Paris, cidade luz, maravilhosa, representando o Brasil, não estamos financeiramente recebendo por isso.

Quando fui convidado, não foi claramente explícito que seria desta forma. Soube apenas depois de um mês, quando estava me organizando, fazendo contas que perguntei sobre o "cachê". Ao que fui informado que não receberia. Mas teríamos uma "diária bacana", para passar os dias aqui. Se é assim, pensei: ok Apesar de ter 09 anos de estrada, sou novo nesta seara. Aprendendo ainda como funciona. Sempre recebo pelos trabalhos que faço. Mas aqui é diferente. E estar aqui presente, a divulgação do trabalho é importante. Mas estava preocupado com algo prático: como vou me virar em Paris? Cidade cara, custo de vida alto. E apesar da felicidade do convite, tenho minhas limitações financeiras. Não poderia me dar ao luxo de ficar cinco, seis dias aqui sem uma ajuda de custo decente. Afinal, deixei meu trabalho na escola no Brasil. Vou ter desconto destes dias que estou viajando. Além disso, abri mão de outras atividades remuneradas para participar do Salão. Enfim, de verdade: não teria condições de me bancar por aqui, nestes dias. Na crise que vivenciamos, não estou podendo me dar este "luxo".

A priori, fiquei muito chateado por achar que era algo comigo. Sou o escritor mais novo, tanto em idade quanto em projeção, daqueles que aqui estão. Pensei: "estão fazendo um favor em me levar, por isso não recebo". Mas não: ninguém está recebendo. Ninguém está ganhando nada. Aos menos os escritores.

E pensa que coisa maluca: um dos maiores eventos literários do mundo, com uma programação voltada e feita principalmente com e sobre os escritores, com presença de grandes livrarias, editoras, que podem vender seus livros - ou seja, terem lucro - mas que, a principal mão de obra produtiva, o "escritor", não recebe. Eu acho injusto. Ou todos ganhamos, ou ninguém ganha. Fazemos todos pela "causa", pela "literatura". E fica tudo certo.

Enfim, estou escrevendo este texto para me posicionar. Todos sabem o quanto o trabalho artístico é pouco valorizado, remunerado, principalmente para quem está longe da tela, dos holofotes das revistas e celebridades. Somos muitos poetas, escritores no Brasil que vivem e passam por situações precárias, dão sangue, suor e lágrimas pela sua arte sem muitas vezes terem um retorno justo e adequado sobre isso. A gente da periferia, principalmente, sabe do que estou falando. E isso precisa mudar. É preciso que alguns órgãos públicos, entidades privadas que trabalham com arte respeitem e valorizem o trabalho do artista, seja ele em qual área for. No Brasil, estamos discutindo o PNLL - Plano Nacional do Livro e Leitura, que pensa em criar uma política pública eficaz e produtiva para a área. Não podemos esquecer que, a valorização do trabalho do escritor é muito importante na chamada "cadeia produtiva" do livro. Valorizemos.

Escrevo também em solidariedade ao escritor Luiz Ruffato, que claramente em reportagem a Folha questionou algumas destas questões como pode ser visto em matéria abaixo, na qual a CBL - Câmara Brasileira do Livro diz que "no ato do convite (...) os autores foram informados do não pagamento de cachê" e que, na Homenagem ao país na Alemanha, tampouco houve remuneração.

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/03/1604612-homenageado-brasil-busca-diversificar-autores-em-salao-do-livro-de-paris.shtml

É uma inverdade. Tanto eu quanto vários outros autores não fomos informados do não pagamento do cachê no ato do convite. Outra inverdade: vários autores que estavam em Frankfurt (Alemanha) confirmaram sim que houve remuneração naquele evento. O que é justo. Ninguém está pedindo favor, regalias, privilégios. Estamos pedindo respeito e reconhecimento ao nosso trabalho. Pode não parecer para alguns, mas é um trabalho.

Minha solidariedade ao Ruffato, que não pode levar sozinho o ônus deste questionamento. Ele é um questionamento coletivo. Minha solidariedade ao Ferréz, Marcelino Freire, Paulo Lins, Milton Hatoum, Cristovão Tezza e vários outros autores que tem uma trajetória bonita, de vida longa e representativa na literatura e merecem mais do que isso. Assim como eu, claro - rs.

Meu pensamento neste momento é que eu esteja me "queimando", ao jogar tudo tão as claras. Que este talvez seja um dos últimos eventos literários que faço representando o governo. Mas não poderia ser diferente. Não poderia participar, saber e ficar alheio a tudo o que está acontecendo e não me manifestar. E sei que sempre terei lugar garantido na quebrada, para manter viva a minha literatura, como sempre fiz até hoje. Então, sigamos assim, se for preciso.

Axé pra nóis. Posicionamento explicito, voltamos as atividades literárias. Independente de remuneração ou não, tenho uma representação aqui pra fazer. Das mais importantes, inclusive: da literatura marginal-periférica. Então, vamos aos trabalhos. Cabeça erguida e dignidade.

Salve, quebrada.

Rodrigo Ciríaco

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