quarta-feira, maio 06, 2015

CARTAS PARA #MALU

São Paulo, 06 de maio de 2015

Malu,

Hoje é aniversário do papai. E não há presente maior nesse mundo do que a sua presença. Alguém já disse que filho é um coração que mora fora do peito. E é verdade. Você é o maior presente que o papai já recebeu nesta vida. Você meu deu tudo: sentido, preenchimento, alegria. Você foi a responsável por papai ter coragem de ter uma família - além do vovô, da vovó e dos titios - acreditar mais nele e acreditar na mamãe. Papai é muito feliz com você, mamãe e o Ygor. Obrigado por tudo.

O meu maior desejo nesse mundo é te fazer feliz. Não é tarefa fácil. Você vai descobrir aos poucos que o mundo é um lugar duro, difícil e muitas vezes cruel. Mas que vale muito a pena quando a gente tem uma família, pessoas que nos apoiam e amor. Amor, filha. Independente do que lhe digam, independente do que lhe façam acredite em algumas pessoas. Acredite sobretudo no amor - e pratique. Respeite as pessoas e suas diferenças, saiba ouvir antes de julgar. Seja solidária, principalmente com quem precisa. E justa. Desenvolva ao máximo seu senso de justiça.

Hoje você está com dois anos e quatro meses. Seus livros preferidos no momento são “O macaco bombeiro”, da Ruth Rocha e “Vida de cachorro”, do Flávio de Sousa. O papai já leu umas duzentas e cinquenta e três vezes a história deles pra você. Você também já leu uma cento e oitenta e seis vezes. Mas ainda não enjoamos. Quer dizer, o papai já está de saco cheio, mas você ainda não enjoou.

Foi no mês que passou que você conseguiu pela primeira vez subir na cama do papai e da mamãe sozinha. A gente bateu palma e fez festa. E foi neste mês que passou também que descobriu o significado da palavra “medo”. Foi quando tentaram pegar o seu “azul” e você chorou. Chorou muito. Agora toda vez que vê alguém de barba e está com o “azul” na mão você chora, esconde ele. O papai fica triste, um pouco preocupado. Diz que você não precisa ter medo, que o papai te protege. Quero que isso seja verdade. Quero te proteger pra sempre, ainda que não seja sempre possível.

Sei que quando você puder ler e entender sozinha estas cartas, já vai ter esquecido o seu “azul”. Pra te lembrar, o seu “azul” é uma peça comprida, roliça e redonda, de madeira, pintada da cor azul. Ela veio junto com várias outras peças coloridas, de madeira para a gente montar. Já construímos castelos, fazendas, sorvetes, bolos; borboletas, joaninhas e muitas outras coisas. Mas o seu “azul” é o seu brinquedo preferido. Vai entender. Não foi um paninho, não foi uma chupeta, não foi uma toalhinha. O seu brinquedo de estimação é o “azul”. E você sente muito quando ele some e você não encontra. E olha, você é mestra em fazer o “azul” sumir. "Papai, aonde foi parar o meu azul?" é uma frase que escutamos muito, e que eu acho que cabe muito bem como título de um livro infantil que o papai ainda quer escrever - só precisa aprender a escrever para crianças. Ainda bem que até hoje a gente sempre encontrou o "azul". Tenho muito medo de quando você perdê-lo de vez. Acho que isso vai ser em breve. E acredito que talvez seja o seu primeiro “trauma”. Mas não tem problema. Essas coisas também são importantes na vida. Fazem a gente crescer. E tenha certeza, o papai e a mamãe estarão ao seu lado para ajudar a superar.

O seu programa favorito é o “Hi5”, que você chama de “amiguinhos”. O papai acha eles muito chatos, mas você gosta. A gente vai aprendendo a respeitar os seus gostos, também. Até porque eles são meio bobos, mas fazem muitas brincadeiras. E tem muitas crianças que gostam. O legal é que eles não ficam oferecendo produtos pra você comprar, comprar e comprar. Eles apenas são bobos e se divertem – rs.

Sabia que por estes dias você falou o seu primeiro palavrão: menininha da boca suja! (rs). Foi quando o papai tava tentando colocar os amiguinhos e a internet não tava funcionando direito, demorava pra carregar. Daí você soltou essa:

- Tá sem internet. Que foda...

Eu e mamãe não acreditamos que você falou isso, mas também não brigamos com você. Afinal, você não tem culpa. Você só reproduz o que escuta, e a gente as vezes deixa escapar, fala uns palavrões também. Estamos tentando nos corrigir.

Mamãe tá um pouco brava agora. Tá correndo igual uma doida, pra te dar banho, trocar, fazer comida, lavar a louça, arrumar a cama, o quarto, varrer a casa. Enquanto o folgado do papai fica aqui na sala, em frente ao computador também trabalhando, escrevendo, pensando nos seus textos e projetos. Eu sei, parecem tarefas desproporcionais e uma divisão injusta da divisão do trabalho. Mas eu falei pra mamãe que é só hoje, como é meu aniversário eu queria ter um dia de rei. Mas é só hoje (não conta pra ela que eu falei uma mentira). E você não pode mentir, viu – rs.

Mamãe é muito trabalhadora. Ajuda muito o papai. E o papai também ajuda a mamãe. Apesar de ela discordar. Mas nós somos uma equipe: todos nos ajudamos. Até você já entrou no ritmo, aprendendo a guardar os seus próprios depois de espalhar tudo na sala e fazer aquela bagunça. Também adora pegar um pano para secar as coisas quando você molha com água ou com o seu “fafé”.

Há tanta coisa pra te contar, falar, filha. O papai anda bem angustiado por estes dias. Com o que será do nosso futuro, se vou continuar trabalhando na escola ou não. Papai ama muito o que faz, mas papai faz muitas coisas. As vezes parece que quero abraçar o mundo, mas esqueço que tenho apenas dois braços, e eles são muito curtos – o mundo é grande. E na escola está bem difícil. Parece que as coisas não avançam, parece que as coisas não mudam. Infelizmente, não vejo perspectivas de melhoras. Pra ajudar, na semana que passou, no Paraná, muitos professores e professoras, colegas do papai foram agredidos. Massacrados. Estavam brigando contra mudanças na lei, que tirariam os seus direitos – que diga-se de passagem, já são poucos – e foram massacrados pelo governo. Balas de borracha, bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo. Cachorros pitbulls soltos mordendo as pessoas. Você ficaria aterrorizada, até porque tem medo de cachorro. Muita gente ficou triste, revoltada. Como o papai. O que me entristece é que daqui a pouco todo mundo esquece. Pouca coisa ou nada muda. E isso vira apenas mais um capítulo triste da nossa história.

Falando assim parece que o papai aceita as coisas como são, e é mentira. Papai ainda tem muita esperança que as coisas melhorem. E continua estudando para se fortalecer e acreditar nisso. Separei vários livros de pessoas muito legais que são importantes você ler quando crescer: Paulo Freire, Ernesto Guevara, Augusto Boal; Clarice Lispector, Malcom X, Bertolt Brecht, Guimarães Rosa. Entre outros. Todos tem na biblioteca do papai, que também já é sua. Se houver algum momento na sua vida em que você se sentir fraca, impotente, achar que nada muda, que as coisas não tem jeito, volte a eles. São pessoas importantes para nos instigar, provocar. Refletir.

Nesse pequeno tempo que escrevo, você já me interrompeu umas doze vezes, pelo menos. Para pegar a sua bolinha, para colocar nos desenho do “macaco”. Para trocar, colocar os “amiguinhos”, no desenho do bolo, no desenho do coração. Pegar seu penico – que você ainda não usa regularmente, fazer o desenho da lua, do coelho, do papai, e da Malu. E este está sendo o meu dia de aniversário. Mais tarde você vai para a escolinha. O papai vai no cabeleireiro raspar a careca e depois vamos na vovó para comer um bolinho. Não vai ter festa, apenas um bolo. E já está bom demais. Tudo o que o papai precisa o papai já tem.

Fico por aqui. Mês que vem tem outra carta. Fora isso, a gente vai se falando e se amando no dia a dia. Te amo. Mais que tudo. Mais do que a mim mesmo. Obrigado por existir. Obrigado por ser o melhor presente que eu já poderia ter recebido em toda a vida. Fique bem. Seja forte, tenha coragem. E quando tiver medo, faça as coisas com medo mesmo. Não deixe que ele te paralise. Nunca. Jamais.

Com amor,

Papai Rodrigo.